Apr 24, 2008

Empregadores... puff... digam antes Torturadores

Estou para aqui a ler um livro chamado Comeres dos Ganhões que reúne receitas tradicionais alentejanas, mostrando também os testemunhos dos trabalhadores rurais alentejanos - os chamados Ganhões - que muitas vezes tinham como "ordenado" os comeres podres, azedos e rançosos que os empregadores davam em troca do trabalho.

Na véspera do 25 de Abril, e, enquanto leio este livro (que confesso que me está a partir o coração com alguns testemunhos, pois reflecte bem a fome que os alentejanos passaram nesses tempos do Fascismo), não consigo deixar de recordar uma cena que vi esta terça-feira, no refeitório da minha escola.

Pois bem, estava a minha colega a comprar uma sandes para comer, quando vejo o responsável do refeitório\bar\cafetaria do INP\ISG desatar num berreiro, com um senhor que se notava claramente ainda estar nos primeiros dias de trabalho. Pois bem, o drama daquele senhor, foi que o novo trabalhador (um senhor já com os seus 50 anos, com o ar mais bonacheirão e simpático deste mundo) se havia equivocado, pois havia entregado uma Milanesa e não uma Napolitana a um rapaz que havia pago uma Napolitana e não uma Milanesa (e, este último confessou que julgava que aquilo se chamava Napolitana... e eu acredito, pois os bolos e salgados são já tantos, todos com nomes tão semelhantes que eu própria, costumo bater com o dedo na vitrina, já que nunca sei os nomes das coisas). O berreiro foi tal, que deixou o pobre senhor muito atrapalhado e sem saber bem o que havia feito de mal. Conseguia vê-lo olhar para todos os lados a tentar perceber a quem havia dado mal o pedido, enquanto todo o bar congelou a ver a cena. O estudante "malfeitor" voltou atrás para pedir desculpa, explicou que julgava que tinha pedido o nome correcto e perguntou qual a diferença (sim... porque a berraria aconteceu porque o salgado pago era mais barato que o entregue).

E, foi então que ele disse: 15 cêntimos.

Um homem, que vende as coisas ao dobro do preço do que se vende no supermercado ao fim da rua da Universidade, um homem que se nota perfeitamente que deve pagar uma miséria aos empregados (visto a rodagem de trabalhadores ser enorme), estava com medo de ir à falência, por 15 míseros cêntimos. Juro que se o rapaz não tivesse vindo atrás, eu própria pagava a porcaria da diferença. Sim, porque não há dinheiro nenhum que se justifique a humilhação pelo qual o pobre senhor passou. Se ele tinha percebido que o pobre senhor se havia equivocado, chamava-o à parte e explicava as coisas, não era com 20 clientes à frente, e, certamente não era com ele a berrar na caixa registadora enquanto o senhor estava com um muro humano à sua frente.

VERGONHA! EU SE FOSSE A SI TINHA VERGONHA!

e o que mais me marcou, foi o ar do pobre senhor, que passou de um ar extremamente simpático, a um ar completamente desolado. Só sei que se tivesse passado isto com o meu pai, esse "empregador" de meia tigela, teria uma surpresa muito triste... até porque nem consigo imaginar as coisas que a ASAE encontraria na cozinha daquele refeitório.